Prenhes cavalos-marinhos
Antonio Miranda Fernandes

Olhaste, com os olhos mortiços de sono,
Para além dos vidros da janela; e o que viste?
O sangue da tarde ferida dos próprios punhais,
Uma última ave marinha no limite do céu.

Ouviste o vento que pastoreava cordeiros no mar,
Feitos de espumas das cristas das vagas,
Alçando o aroma de prenhes cavalos-marinhos,
Às espirais dos teus devaneios num galope
Sem asas.

Na boca da noite, ele, de súbito e hálito morno,
Beijou-te a boca e o busto,
Desgrenhou os teus cabelos,
E com rajada rápida levantou o teu vestido.
Teu corpo eriçado estremeceu com volúpia.

Um relâmpago fechou o teu olhar no breve susto.
As tuas mãos trêmulas tocaram o frio pranto
Das pedras no orvalho sobre o parapeito,
E cerraram venezianas dentro da noite.

O vento fez-se ventania e bramiu açoites
Sobre telhados entediados.
Tu, sob os lençóis amarfanhados do leito,
Acariciaste os peitos intumescidos e gemeste
De prazer nas tuas águas quentes.

A ave que desapareceu além do horizonte sabia
O caminho do desejo que o teu corpo buscava.
Adormeceste satisfeita sem vazios,
E nos lábios o sorriso das carícias prolongadas