Poço da imaginação
Antonio Miranda Fernandes

Ela saiu à noite para caminhar na chuva,
E deliciou-se com a volúpia do manto líquido
Que cobriu, acariciou e escorreu pelo
Seu corpo carente de urgentes afagos.

Já não tão jovem, depois de algumas horas
Chapinhando visões, sentiu cansaço frio.
Andou pela praia e a maré apagou as marcas
Dos seus passos vacilantes.

Olhava as areias com a indiferença do olhar
Dos apáticos perdidos entre as flores.

Mais adiante, com o peito molhado de pranto
Amargo do desengano, parou e apoiou-se na
Beira do poço que a sua imaginação lhe abriu.

Viu na superfície da fantasia, não muito profunda,
Uma janela de luz difusa e nela um rosto
Que lhe sorriu e aliviou a solidão que sentia.

A canseira lhe pesava tanto que adormeceu,
E deixou-se envolver pelo poema que lá
Embaixo repousava e fez-se estilhaçado para
Recebê-la de braços abertos, como guardião
Dos sonhos nos quais ela imergiu.