O RIO
Antônio Miranda Fernandes


Singelo e humilde fiozinho ao nascer...
É nas cabeceiras, pequeno olho d'água;
E depois um lacrimal. Quase nem se vê...
Como gotas brotadas de pouca mágoa.

Apenas daqui, daí e acolá...borbotando...
É criança, medroso e trêmulo chorando!
Segue e fresta, entre duras pedras, pede...
Esgueira-se e o seu caminhar prossegue.
Arrasta-se e insiste na marcha para a luz,
Murmura e ao poeta de água doce seduz!...

Pois ele já engatinha e faz suas manhas,
Mama! Bebe do seio nutriz da montanha,
Na passagem aonde vai criando seu leito!...
Cada vez mais gulosamente, tal no peito,
Do colo de mãe atenta à cria, em guarida:
Tão preciosas golfadas líquidas de vida.

Como, dos seres animados, ele deve ter:
Sombra, paz e mistério para seu nascer!
Agora uns passos mal seguros aventura,
Mas o amparo das grutas ainda perdura! 
Para o caminhar não vir a sofrer deslizes
Busca a proteção das margens de raízes
Pespontadas, que ele afaga no roçado...
Refresca e alenta, em troca do cuidado!

Riacho, já balbucia e corre agarrando-se
Às pernas do arvoredo, vai jogando-se!...
Ainda fortes ramagens sobre o seu veio,
Cruzam-se protetoras tal como em esteio! 
E vai e vai, e... vão-lhe abrindo margens;
Corre veloz e rola seixos, sem paragens!

E segue até que nenhum galho gigante,
De figueira possa, como um braço grande,
O galho estendido do outro lado atritar.
Pois às veredas estreitas é fatal alargar!
Então orgulhoso e forte, porque venceu,
Já não pede mais caminho - abre o seu!

Se surge, porém, um obstáculo, evita-o!
Reprime-se em remansos e... analisa-o!
Evita o confronto se ele não for forçoso...
Assim como o selvagem, ama o repouso; 
Torce-se e não gasta forças inutilmente,
Reserva suas forças para mais à frente!
Vai coleando e seguindo seu rumo afora
Nada lhe antepõe! A rota é segura agora.

Mas, às vezes... estende-lhe, a montanha, 
No curso, uma barreira de pedra tamanha;
Então ele pára, a fim de medir o adverso.
Põe-se remoinhoso em vaguear disperso.
E negligentemente, encrespa em arrepios!
Tanto maior... Quanto maior for o desafio
Cresce, arremete e se precipita com fragor:
Estoura na catadupa, soberbo e triunfador.

Não se contenta em marchar sobre penedos,
Adversários abatidos a seus pés por medos,
Cria asas e alando-se vai os ares espadanar,
E como cordão umbilical ao seu berço voltar 
Dilui-se em neblina e, sobe! Gotas de luzires,
Soltas...Transforma-se em luz, e é o arco-íris.