Latifúndio que conheci
Antonio Miranda Fernandes

Caminhos rasgados confusos de aspirações puídas
Vicinais de sinuosidades e cruzes funéreas
São cordões desenrolados e se entrelaçando
Do novelo de fios barrentos que sangram
Não impune às unhas felinas de louça do gato
Ladrão sobre a cômoda que devora impulsos da vida
No desinteresse do palco empoeirado.

Cercas de arame farpado na atrofia de verdes e bois
Presas a esteios apodridos com os pés
Enfiados em esterco e indiferentes marias-sem-vergonha
Abertas para os beijos do Sol aprisionado em teias de aranhas
Terra de decrépitos espantalhos banquetes de cupins
Com os esqueletos expostos à fome voraz do joio
Que envolvem e devoram os restos da semeadura
Orgulho calcinado no bico da pobreza d’alma.

Eucaliptos cerúleos bebendo a seiva estéril
Do cio estorricado da terra quase seca como uma noz
Antenas de água atraindo raios temporais
Chão de malcheirosos tomates e moscas varejeiras.
Sangue do grito rolado do alto da montanha.
Ira dos papeis nus de poemas despidos
De vergonha e fidelidade insanas da celulose
Lírios desfeitos no alagadiço da alma
De secos e escuros vales comidos pela erosão
Colidindo mãos nos adeuses chorosos

Corações vazios que galopam alucinados
Potros de ferraduras chispando brasas das pedras
Suando salivas espumantes no chão
Enraizando-se ao domínio do latifúndio
De quartos de paredes ruídas com ecos ocos
Pelas desbotadas janelas azuis
De amor muito além das venezianas toscas penduradas
Nos reflexos desmaiados dos espelhos

Lago sáfaro evaporado do vale de lágrimas
Almas irritadas de desesperanças mártires
Torturados versos que adentram bosque de incertezas
Alaranjado no parir de novos caminhos
Não saturados das distancias perdidas no esmorecer do dia
Nem de visões dos olhares arenosos,
Nem irritação das raízes e ossos gris.

No horizonte não amargo, tênue e acinzentado
Manchas não amordaçadas em semeação
De desejos viçosos fartando-se de comer a agonia
Terra e fogo para a carne quase esquecida
Trêmula na nova esperança que se teima
Freando o fluir do tempo no tempo certo
Buscando canto que ainda possa encantar o desencanto.