Laranja ácida
Antonio Miranda Fernandes

Ah esta laranja ácida com tantos caroços
Que quero espremer e misturar com aguardente
Para buscar na embriaguez não sei o quê
Da memória da minha própria imaginação.

E ébrio,
Talvez eu tenha coragem para despedaçar
A imagem que teima em me perturbar.

Não é paisagem...
Não é lembrança de viagem...
Deve ser visão de miragem...
Daquelas que os perdidos nos desertos
Veem de cabeça para baixo e a perseguem,
Até tombarem
Diante da ilusão sedutora que depois se desfaz
Sob o sol implacável.

Esta laranja ácida com tantos caroços,
Na verdade eu gostaria de espremer juntamente
Com este dia tardio que devia ter ficado
Oculto no calendário numa nódoa sem luz.

Talvez matasse a sede insensível que me consome
O sumo daquela nuvem desavisada.

Talvez se eu pudesse rasga-la aos gomos
E espremer juntamente com o doer capcioso
Que teima em comprimir o meu coração iludido.

No entanto nem a minha ilusão,
Tampouco o engano da aguardente me é suficiente
Para que eu possa voar até ela.

Ah se esta laranja ácida com tantos caroços
Pudesse voltar no tempo
E me levasse ao olor da flor da laranjeira...
Talvez doesse menos a dor nos seus espinhos.