Espantalho no deserto
Antonio Miranda Fernandes

Que fazes aí contemplativo,
Oh taciturno espantalho enraizado nos confins
Areados do deserto, de sol despedaçado e semeado
Na efervescência das entranhas abertas do inferno?

Oh sofredor paspalho, misto de burlesco e demente...
Soberano nas dunas mutáveis de grãos de areia,
Que o vendaval enfurecido semeia e mistura com sal,
Que fazes aí?

Ah inútil e ludibriado boneco, a tua petrificada altivez,
Impediu notares não serem de centeio as sementes
Que se incendeiam na consternação da seara?

Não percebestes que os pássaros há muito emigraram
Em retirada do anímico e perene estio das miragens,
Na sede da seiva dos sentidos nos ventos abatidos?

Tu morrerás bailarino picado pela serpente no reinado,
Sem aves e sem roedores, rindo à toa nas movediças.
Danças tal crostas das côdeas de broa à boca faminta.
E eu, perdido canto nas dores para olhos de trapos,
Que faço aqui?