Despedida no vazio
Antonio Miranda Fernandes

Quando pela primeira vez aceitei em mim
Que podias partir me senti envolvido pelo gosto
De uma voz que vinha de muito distante.
Era o falar como a resina amarga no sangrar
De um pinheiro no alto da colina escura.
Dura como a pedra do mais profundo silêncio,
Negra como as estrelas que brilham com luz
Emprestada

Era uma voz de momento subterrâneo e rouco
Vindo dos úteros espumosos do tempo
Ecoando como o rumo incerto de naus negras.
Crepusculares ápices tristonhos
Sobre mares de ventos frios além do presente.

Vivi as lágrimas de cansaço indeciso
Em lenta interrupção de violências escondidas
E a tempestade diluiu-se em arcos de brandura
Nos leitos dos rios de ondas pálidas do olhar
Gelado como envelhecida nostalgia perdida.

Era um desgaste de deuses nômades
Vindo da hora à deriva do canto de naufrágio
Espalhando-se na alma das areias doridas
Solta na imensidão da planície de vidro
Em entardecer sangrento de salmoura.

Num abraçar delgado e diáfano encostei
Os pensamentos ao ombro da parede e marquei
O limite da minha boca hesitante.
Eram lábios ao acaso sem fim de tarde.
Um sorriso a completar a violação da incerteza
Na despedida inventada à toa
Em qualquer tempo, hoje, amanhã, depois...
Lentamente, em quietude, calada.