Continuidade
Antonio Miranda Fernandes

As fotos tuas há algum tempo não existem...
Elas se rasgaram...sozinhas... uma a uma,
Em esgares lentos de desdém.
Os sorrisos que foram naturais,
Já não eram mais...
Fizeram-se quase sempre abstração,
Quase sempre forçados.
Perderam a elegância...risos de distração,
Nos nacos de dentes e gengivas,
Em poses de exibição e sedução.
Mas não se tornaram fingidos...é verdade!
Apenas se foram...
Antes de serem antigos...ainda amigos.
O olhar que era iluminado e obstinado,
Ficou embaçado,
Perdeu a intimidade,
Desumanizou-se,
Privou-se do sentido...
Perdeu-se do referencial que ficou atrás.
As palavras de calores e de flores,
Que fizeram verão e primavera,
Nas minhas dores invernais,
E douraram como o trigo,
Os vales escuros que existiam na minha alma,
Não mais ecoam na memória,
Com nitidez.
São confusas...
Difusas escusas...apenas isso.
Tampouco entoam acalantos no meu peito,
Como antes faziam...
Tornaram-se,
Na distância da ausência,
Somente palavras que escrevem história,
Em páginas amarelecidas.
Desfechos.
Folhas secas e retorcidas de outono,
Que se acumulam às margens da solidão,
Nos caminhos sem lua,
Sem nascente,
Trechos...
Sem norte.
Pedaços de um retrato,
Abstrato,
Da árvore de onde foram arrancadas.
Músculos da espontaneidade dos braços,
Impossibilitando o abraço.
Lágrimas para fertilização do solo,
Na lei natural, implacável e sem clemência,
Para a renovação da vida.
Aparente demência...
Inatingível coerência em nome de um Deus,
Repetitivo, cansativo, necessário.
Divisor do espaço para cada obra...
É inevitável a dor, o sacrifício
De sangue e inevitáveis mortes.
Outras fotos se farão das sobras,
Na busca da felicidade.
O prosseguir forçará o mesmo olhar,
Igual sorriso, iguais esgares,
Em outras paredes,
De outras casas,
De outras ruas...de outros lugares...
Porém exibirão as marcas do tempo.
Como a nau que ao mudar de nome,
Perde a identidade,
Mas se o casco sobrevive inteiro,
Na submissão de cicatrizes profundas
Do aprendizado nos furacões,
Mesmo com as velas em fragmentos...
O desfazer se fará continuidade,
Até o cais derradeiro.