Água dentro da água
Antonio Miranda Fernandes

A nuvem escura se agita... relampeja...
Desfaz-se em chuva e despenca no lago.

Cada pingo como punhal,
Levanta-lhe a pele e se crava no centro
De muitos círculos.

Sentirá dor o lago ou será semeadura
Prazerosa e profunda de carícias?

Que dirá a água que, em repouso esperava,
À água que chega da viagem?

No atrito minimizam o frio?
Elas cortam-se, anelam-se em segredos.

Um prato fundo de murmúrios
Entre a água que estava e a que veio.

Evitam-se, lutam, enroscam-se.

Crepita o lago à água invasora:
"Não me faças transbordar"

Sibilam as gotas de chuva à acalmia rompida:
"Não receies. Sei da tua limitação".

Estaria o lago em cio?
Misturam-se, possuem-se, deitam-se,
Água dentro da água.

Excitam-se, estremecem sob a língua da brisa,
Depois se aquietam em sigilo.